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8. CALIBRAÇÃO DOS MODELOS MATEMÁTICOS DE SIMULAÇÃO

O modelo hidrológico utilizado para se estudar as condições de escoamento superficial na bacia do Alto Tietê, foi o modelo chuva-vazão denominado CABC – Análise de Bacias Complexas, desenvolvido pela Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica-FCTH.

O referido modelo utiliza como técnicas de simulação os algorítmos do Soil Conservation Service (SCS) para o cálculo do hidrograma superficial e o método de Muskingun para amortecimento de cheias em canais naturais.

Para calibração do modelo, foram utilizados os dados básicos do evento chuvoso ocorrido em 1983. Um resumo dos dados deste evento foi apresentado no   item 6.

No relatório PDAT-HI-RT-026 - “Consolidação dos Critérios Básicos”, estão apresentadas as principais diretrizes e critérios de projeto que nortearam os estudos de simulações hidrológicas do modelo CABC.

Após a calibração do modelo hidrológico CABC, foi também processada a calibração do modelo hidrodinâmico denominado CLIV, também desenvolvido pela FCTH. Este modelo permite o cálculo de linha d’água em canais regulares ou naturais, em regime hidráulico permanente (“standard step method”) ou em regime de transitórios hidráulicos, considerando-se as equações de Saint-Venant.
 


 

8.1 Estimativa do Número de Deflúvio "CN"

O algorítmo do “S.C.S.”, para o cálculo de chuva excedente, utiliza o conceito do “número de deflúvio” – CN, que procura definir, através de um único valor numérico,  a influência do terreno no comportamento do escoamento superficial. A definição destes valores está  associada à constituição geológica da área e ao tipo de cobertura/uso do solo.

A maior dificuldade na definição do “CN” para cada sub-bacia deve-se ao fato do mesmo  ser resultado da composição de diversas parcelas de tipos de solos e coberturas associadas a áreas permeáveis e impermeáveis.

Para as parcelas das áreas consideradas em condições naturais, utilizaram-se os estudos apresentados no trabalho “Análise Geológica e Caracterização dos Solos da Bacia do Alto Tietê para a Avaliação do Coeficiente de Escoamento Superficial”, relatório PDAT1-GL-RT-037, mencionado na referência [14].

Para a estimativa da parcela impermeável das sub-bacias, tomou-se como base a relação densidade populacional-área impermeável constante do trabalho “Estimativa de Área Impermeável de Macrobacias Urbanas”- (Campana e Tucci, 1994). As densidades populacionais foram obtidas a partir dos estudos de atualização e projeção populacional para a situação atual, 1998, e para o horizonte de planejamento de 2020. Considerando os dados populacionais das diversas regiões da RMSP, foram estimadas as seguintes faixas de densidades demográficas regionais:
 
 

ANO
região
noroeste
região
oeste
região
sudoeste
região
sudeste/centro
região
leste
região
nordeste
região
norte
1983
14 a 50
14 a 50
10 a 30
70 a 75
9 a 16
23 a 27
36 a 40
1998
16 a 60
16 a 50
13 a 38
90 a 95
10 a 19
28 a 31
44 a 48
2020
18 a 68
18 a 68
15 a 45
100 a 105
11 a 21
31 a 37
50 a 55
Quadro 8.1.1 – Densidades populacionais regionais

Estes valores resultaram da análise do crescimento médio de população, por região, levando em conta os dados atualizados da EMPLASA (Quadro 5.2.4) e demais análises apresentadas no item 5.2. A utilização desses valores, nesta etapa do trabalho, foi feita a partir da sua adequação para a segmentação das sub-bacias definida nas simulações hidrológicas do modelo CABC.

 

8.2 Calibração do Modelo Chuva-Vazão CABC

 

8.2.1 Condições de áreas impermeáveis
A calibração do modelo de transformação chuva-vazão CABC foi feita tomando-se como base o evento chuvoso de 02/02/1983. Foram feitas simulações para a bacia do Alto Tietê, até Edgard de Souza, excluindo-se a bacia  do rio Pinheiros. A bacia foi dividida em 99 sub-bacias, conforme mostrado na Figura 8.2.1.

Considerando-se a caracterização hidrogeológica apresentada na referência [14], foram fixados os seguintes coeficientes permeáveis CN (bacia nas condições naturais de matas, prados, bosques, etc.):


Para o evento de 1983, as condições gerais assumidas para a calibração do modelo estão mostradas no Quadro 8.2.1.

Neste quadro, além dos coeficientes permeáveis CN, acima mencionados, estão apresentadas as parcelas de áreas impermeáveis (Aimp), estimadas para o ano de 1983, levando em conta as densidades populacionais para cada sub-bacia.


Quadro 8.2.1 – Condições Gerais da Calibração
 


Figura 8.2.1- Bacia do Alto Tietê – Rede da Macrodrenagem


 

8.2.2 Precipitação

A calibração do modelo CABC, para a rede hidrológica da Figura 8.2.1, foi efetuada considerando-se a chuva média acumulada em 24 horas igual a 100 mm, em toda a área de 3.230 km², com intervalo de tempo unitário igual a 0,50 horas. A distribuição espacial das chuvas considerou a distribuição das isoietas do evento ocorrido entre 01 e 02/02/83 (ver Ilustração 6.1), tendo-se definido um coeficiente adimensional para cada sub-bacia (relação entre a chuva média efetiva na sub-bacia e a chuva média em toda a bacia). Quanto à distribuição temporal de chuvas, foi adotada a distribuição observada em 1983, mostrada na Figura 7.2. Tais condições de chuva são aqui denominadas de Condição 1.

Após a calibração do evento de 1983 para a Condição 1, simulou-se a mesma distribuição espacial das chuvas, mantendo-se todas as demais características da rede de drenagem, somente que adotando-se a distribuição de Huff (1o. Quartil), também ilustrada na Figura 7.2. Esta última condição, aqui denominada de  Condição 2, foi simulada com o objetivo de analisar a sensibilidade dessa distribuição temporal, uma vez que concentra um pouco mais as chuvas acumuladas nas primeiras 8 horas e representa uma situação mais crítica para as vazões.
 


 

8.2.3 Resultados da calibração das vazões

De acordo com as condições da bacia no ano de 1983, o Quadro 8.2.3 seguinte mostra os resultados das simulações para as Condições 1 e 2 de chuvas consideradas.
 

LOCAL
Pico máximo observado 
(m³/s)
Pico máximo calculado (m³/s)
CONDIÇÃO 1
Pico máximo calculado (m³/s)
CONDIÇÃO 2
Penha
300
307
319
Foz Aricanduva
400
374
376
Foz Tamanduateí
640
645
727
Foz do Pinheiros
720
724
782
Edgard de Souza
840
837
898
Quadro 8.2.2 – Calibração das vazões em 1983

As figuras 8.2.1 a 8.2.5 seguintes ilustram alguns hidrogramas típicos obtidos nos locais de interesse, para as duas condições de chuva simuladas. A figura 8.2.6 mostra a defasagem de picos do hidrograma afluente à barragem da Penha e daqueles formados imediatamente a jusante do Cabuçu de Cima, Aricanduva e Tamanduateí.


Figura 8.2.1 – Jusante da Barragem da Penha
 
 


Figura 8.2.2 – Jusante da Foz do Aricanduva
 
 


Figura 8.2.3 – Foz do Tamanduateí
 
 


Figura 8.2.4 – Foz do Pinheiros
 
 


Figura 8.2.5 – Barragem Edgard de Souza
 
 


Figura 8.2.6 – Comportamentos típicos da bacia
a montante e a jusante da Penha


 

8.2.4 Comentários Preliminares
 

      a) resultados da Simulação da Condição 1
 

b) resultados da Simulação da Condição 2
 
 

8.3 Calibração do Modelo Hidrodinâmico CLIV

Por ocasião do projeto básico de ampliação da calha do rio Tietê (Promon 86, Ref.[1]), dispunha-se da linha d’água máxima observada entre o reservatório de Edgard de Souza até as proximidades da barragem da Penha, durante o evento ocorrido em 02/02/83. Esta linha d’água corresponde a uma envoltória dos níveis máximos ocorridos, sendo que, não necessariamente, o N.A. máximo registrado em cada local tenha tido uma correspondência instantânea com os picos máximos de vazões observadas.

Dado que os picos ocorrem em diferentes posições horárias, ao longo da calha do rio Tietê, haveria que se investigar se  o tempo de permanência das vazões elevadas é suficiente para que se possa calcular perfis de linha d’água remansada em regime hidráulico permanente, e até que ponto os efeitos hidrodinâmicos de transitórios hidráulicos afetam as condições de escoamento.

Para essa análise, dispõe-se de uma topobatimetria atualizada da calha do rio Tietê, realizada pela empresa MAUBERTEC, em abril/98, abrangendo o trecho compreendido entre as estacas 1055 (próximo à barragem móvel) e 2245 (jusante da barragem da Penha). Constatou-se que o fundo desta topobatimetria, realizada em 1998, praticamente coincide com o talvegue do rio, nas condições da topobatimetria realizada no ano de 1982, sobre as quais se supõe ter passado a enchente de 02/02/83.

Para a calibração do modelo CLIV, no referido trecho, que é o mais crítico sujeito às inundações, foram consideradas 33 seções espaçadas, em média, a cada 700 m.

Foram realizadas duas simulações: uma em regime gradualmente variado, considerando apenas as variações de vazão observadas em 1983 e outra em regime transitório, considerando os hidrogramas do Tietê na Penha e dos afluentes à calha, gerados pelo modelo CABC para o evento de 1983, desde a barragem da Penha até a região a montante da barragem móvel, localizada nas imediações da foz do rio Pinheiros. Por ocasião de cheias elevadas, como as ocorridas em 1983, supõe-se que a estrutura de controle de vazões de Retiro esteja sempre fechada, isolando o rio Tietê do Canal Inferior do rio Pinheiros.


 

8.3.1 Condições de contorno para o modelo o CLIV

Para o cálculo de linhas d’água, o modelo CLIV necessita uma condição de contorno que deve ser fornecida na última seção de controle a jusante do trecho em estudo. Esta condição de contorno pode ser um nível d’água fixo a jusante, para o caso do regime gradualmente variado, ou uma curva-chave, para o caso de cálculo em regime transitório.

Por ocasião do projeto da barragem móvel (ref. [3]), foi necessário definir-se uma curva cota-vazão no rio Tietê, nas imediações da estrutura de Retiro, a montante da barragem móvel, a qual foi aqui utilizada para efetuar a calibração da linha d’água observada a montante, em 1983, antes da implantação da barragem móvel. Para simular eventos posteriores à implantação da barragem móvel, é necessário avaliar os seus efeitos nos níveis de montante, considerando as perdas de carga localizadas produzidas por esta estrutura para diferentes níveis d’água.

A barragem móvel é dotada de 9 vãos de comportas, com largura de 8 m cada uma, tipo Volet, com soleira implantada na cota 712,60, totalizando um vão livre de 72 m. Foi dimensionada para descarregar uma vazão máxima da ordem de 800 m³/s, no N.A. máximo igual a 720,60, supondo-se nestas condições que, com as comportas totalmente abertas, o N.A. jusante é igual a 720,40. Em outras palavras, a vazão de projeto pode ser escoada com um desnivel de apenas 0,20 m.

Conforme a referência [13], o funcionamento hidráulico da barragem móvel assemelha-se ao de uma soleira plana submersa, cuja capacidade de vazão pode ser expressa pela seguinte expressão:

Q = C . HJ . L . (2gD H)1/2

onde: Q = vazão, m³/s
           C = coeficiente de velocidade = a . 31/2 . m0
           a = HM / HJ = relação entre a carga de montante e a carga de jusante
           HJ = N.A. de jusante – cota da soleira da estrutura (el. 712,60), metros
           HM = N.A. de montante – cota da soleira da estrutura, metros
           m0 = 0,385 = coeficiente de descarga teórico para canais retangulares
           L = largura livre da estrutura = 72 m
           g = 9,81 m/s²
           D H = (HM - HJ) = desnível entre montante e jusante, metros

As figuras seguintes mostram os resultados dos cálculos efetuados para se avaliar a capacidade de vazão de projeto da barragem móvel antes e depois de sua construção.

Na Figura 8.3.2, os níveis d´água de jusante admitidos, para uma primeira estimativa da influência local da manutenção da barragem móvel, referem-se aos níveis calculados pelo remanso, a partir de Edgard de Souza (Promon 86).

Cálculos mais precisos e atualizados das conseqüências de sua permanência deverão levar em conta os efeitos de remanso (desde Edgard de Souza) que deverão ser avaliados, com auxílio do modelo CLIV,  considerando-se  coeficientes de perda de carga localizada (k),  entre 1,10 e 1,20, na seção da barragem móvel.


Figura 8.3.1 – Curvas-chave na barragem móvel
antes da ampliação da calha
 
 


Figura 8.3.2 – Estimativa das Curvas-chave na barragem móvel
após a ampliação da calha


 

8.3.2 Calibração da Linha D’água de 1983

A figura 8.3.3 mostra os resultados da calibração do modelo CLIV para duas condições:
 


O coeficiente de rugosidade de Manning foi calibrado, obtendo-se o valor n=0,028, para as condições da cheia analisada. O valor calibrado da rugosidade engloba as perdas de carga distribuídas nos diversos trechos e as perdas de carga localizadas nas regiões das pontes. Originalmente, o projeto Promon 86 considerou n=0,027 e mais um coeficiente de perdas localizadas igual a 0,20, em cada ponte.

O Quadro 8.3.1 mostra as características das seções de cálculo fornecidas ao modelo CLIV.


Quadro 8.3.1 – Características das Seções de Cálculo
 


Figura 8.3.3 – Calibração da Linha d’água de 1983


 

8.3.3 Análise da calibração

a) os resultados de níveis d’água, fornecidos pelo modelo CLIV, não apresentaram diferenças sensíveis para os dois regimes de cálculo, ou seja, em regime permanente ou regime transitório (ver figura 7.3.3); houve uma ligeira tendência dos níveis hidrodinâmicos serem um pouco mais baixos no trecho final da linha d’água remansada em relação aos do regime permanente;

b) a calibração da cheia de 1983, efetuada no trecho mais crítico das inundações da RMSP, foi realizada apenas no trecho compreendido entre a barragem móvel e barragem da Penha, com o intuito de verificar as condições do projeto PROMON 86; esta calibração foi efetuada em época em que ainda não estavam disponíveis as seções topobatimétricas do trecho de jusante da barragem móvel até a barragem Edgard de Souza;

c) o diagnóstico da situação atual (condições da calha em 1998) também foram realizados para o mesmo trecho, a partir da seção de controle da barragem móvel; os diagnósticos de projeto para o ano 2020 foram realizados para toda a extensão da calha a ser ampliada, analisando-se a permanência ou retirada da barragem móvel.
 


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